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O dia que o Brasil fechou um acordo nuclear com o Irã

A suspeita de que o Irã estaria perto de produzir armas nucleares foi a justificativa de Israel para iniciar ataques contra o país em 12 de junho, dando início a uma nova guerra entre ambos.

A suspeita de que o Irã estaria perto de produzir armas nucleares foi a justificativa de Israel para iniciar ataques contra o país em 12 de junho, dando início a uma nova guerra entre ambos.

A preocupação internacional sobre as intenções nucleares do país persa é antiga, embora Teerã sempre tenha afirmado que busca o desenvolvimento da tecnologia apenas com fins pacíficos.

Há quinze anos, o Brasil assumiu protagonismo internacional inédito ao mediar, junto com a Turquia, um acordo nuclear com o Irã.

Anunciado em 17 de maio de 2010, após muito ceticismo, o acordo foi celebrado como um sucesso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então no último ano de seu segundo mandato.

Na época, o petista se projetava como uma liderança internacional respeitada e já havia sido chamado de “o cara” pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no ano anterior.

No entanto, apesar de Obama ter enviado uma carta aos chefes de Estado de Brasil e Turquia, em 2009, pedindo ajuda para mediar uma solução com o Irã, o acordo obtido pelos dois países foi imediatamente atacado por grandes potências mundiais, inclusive a Casa Branca, e acabou fracassando.

Naquele momento, o Irã havia aumentado a sua capacidade de enriquecimento de urânio, insumo usado em armas nucleares. As potências ocidentais queriam que o país aceitasse enviar 1,2 tonelada do seu urânio para ser enriquecido no exterior. Desta forma, o país não teria o domínio completo do ciclo de produção nuclear.

O acordo obtido pelo Brasil previa a entrega da 1,2 tonelada de urânio de baixo enriquecimento (3,5%) para a Turquia em troca de combustível para um reator nuclear a ser usado em pesquisas médicas em Teerã.

A previsão era que o urânio iraniano ficaria guardado na Turquia sob vigilância turca e iraniana. Após um ano, o Irã receberia 120 quilos de material enriquecido a 20%.

O entendimento tinha como base uma proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU).

No dia da assinatura do acordo, a Casa Branca reconheceu, em nota, os esforços de Brasil e Turquia, mas levantou desconfianças sobre o real compromisso do Irã em não desenvolver armas nucleares. Não havia informações claras sobre quanto urânio o país tinha, para além da quantidade que aceitou entregar à Turquia.

“Dadas as repetidas vezes em que o Irã falhou em manter seus próprios compromissos e a necessidade de abordar questões fundamentais relacionadas ao programa nuclear do Irã, os Estados Unidos e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações”, dizia a nota publicada no mesmo dia em que o acordo foi assinado.

“O Irã disse hoje que vai continuar seu enriquecimento a 20%, o que é uma violação direta das resoluções do Conselho de Segurança da ONU”, afirmava ainda o comunicado.

Naquele momento, Brasil e Turquia eram membros não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU e queriam evitar a aprovação de novas sanções contra o Irã.

A expectativa era que o acordo evitasse essas punições, mas isso não ocorreu. Novas sanções contra Teerã foram aprovadas em junho de 2010 no Conselho de Segurança, com votos contrários de Brasil e Turquia.

‘Estados Unidos subestimaram diplomacia brasileira’

Após o fracasso no acordo, o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acusou os Estados Unidos de não aceitar um “sim” do Irã para as negociações.

“Queimamos os nossos dedos ao fazer coisas que todo mundo disse que eram úteis e no fim concluímos que algumas pessoas simplesmente não aceitam um ‘sim’ como resposta”, disse Amorim, em junho de 2010, ao jornal britânico Financial Times.

Leitura semelhante foi feita pelo analista americano de origem iraniana Trita Parsi, no livro A Single Roll of the Dice (Uma Única Jogada do Dado, em tradução livre), publicado em 2012, sobre a política do governo Barack Obama em relação ao Irã.

Segundo ele, a Casa Branca subestimou a capacidade diplomática do Brasil e da Turquia e contava com o fracasso da missão diplomática de Lula e do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, a Teerã.

“Contra todas as previsões, Turquia e Brasil conseguiram em poucos meses, através de intensa diplomacia, o que as potências ocidentais não haviam conseguido em anos”, escreveu, em um capítulo dedicado apenas ao episódio envolvendo Brasil e Turquia.

O autor argumenta que, paralelamente ao esforços brasileiro e turco, Washington estava costurando uma aliança internacional para impor novas sanções contra o Irã, assim que Teerã recusasse o acordo.

Surpreendidos pelo resultado positivo da missão diplomática, nota Parsi, os Estados Unidos teriam lançado uma campanha na mídia contra Lula e Erdogan, para desautorizar o acordo firmado com Teerã.

O governo americano acusou o Irã de assinar o acordo apenas para ganhar mais tempo e evitar sanções. Já o Brasil e a Turquia foram acusados de serem ingênuos ao acreditarem na boa vontade de Teerã. O acordo também foi rechaçado por outros países, como França e Grã-Bretanha.

“Infelizmente, acho que os EUA nunca levaram a sério esse acordo. Isso está claro hoje, olhando para trás. Eles esperavam que o Brasil fracassasse, e como resultado disso, que eles [americanos] pudessem gerar uma pressão por novas sanções. Quando Brasil e Turquia foram bem-sucedidos, isto atordoou os americanos e eles não estavam preparados para aceitar o acordo”, disse Parsi, em entrevista à BBC News Brasil, em 2012.

O que parecia um grande feito da diplomacia de Lula, virou combustível para ataques internacionais.

“A desautorização imediata e dura da Declaração de Teerã enfureceu o Brasil e a Turquia. O investimento pessoal feito por Erdogan e Lula em obter a Declaração de Teerã fez com que a sua desautorização fosse nada mais do que uma rejeição da liderança de ambos. E veio acompanhada de uma campanha agressiva na mídia americana, acusando os dois chefes de Estado de vaidade, megalomania e sentimentos anti-americanos e anti-Israel”, escreveu Parsi, no livro.

Trita Parsi é analista de relações internacionais e especializado em Oriente Médio. Para escrever A Single Roll of the Dice, ele entrevistou autoridades de quase todos os governos envolvidos na questão nuclear iraniana — como Irã, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Israel, Turquia e Brasil, inclusive o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

O presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad em visita ao Brasil, em 2009© Getty Images

‘Acerto diplomático, mas erro de cálculo político’

A atuação de Lula na questão iraniana foi uma tentativa de afirmar o Brasil como ator global capaz de contribuir para a paz e a solução de grandes impasses internacionais, afirma Karina Calandrin, professora de relações internacionais do Ibmec.

“Essa iniciativa se alinhava à estratégia da política externa brasileira do período, que valorizava o multilateralismo, o fortalecimento do diálogo Sul-Sul e a diversificação das parcerias, além de reforçar a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU”, disse à BBC News Brasil.

“A parceria com a Turquia — um país muçulmano e membro da Otan — conferia maior legitimidade à tentativa de mediação e mostrava o compromisso brasileiro com uma solução diplomática para evitar novas sanções ao Irã e reduzir tensões na região”, continuou.

Na sua avaliação, a decisão brasileira pode ser considerada acertada do ponto de vista dos princípios e da ambição diplomática, pois a iniciativa “projetou o Brasil como defensor do diálogo e da paz, reforçando sua imagem internacional”.

Por outro lado, ressalta, a decisão revelou-se problemática do ponto de vista do cálculo político e da sua eficácia.

“O governo brasileiro subestimou a desconfiança das grandes potências em relação ao Irã e o grau de tensão do momento, especialmente após o fracasso de negociações anteriores e a eleição contestada de Mahmoud Ahmadinejad [como presidente do Irã] em 2009”.

“Além disso, o timing foi desfavorável: os Estados Unidos já articulavam novas sanções no Conselho de Segurança e enxergaram o acordo como um obstáculo à estratégia de pressão sobre Teerã”.

A professora considera que o acordo fracassou porque as potências ocidentais consideraram o entendimento insuficiente, por não interromper o enriquecimento de urânio no Irã, nem abordar outros pontos sensíveis do programa nuclear. Além disso, afirma, “questões de geopolítica pesaram”.

“Estados Unidos, França e Reino Unido não estavam dispostos a conceder protagonismo ao Brasil e à Turquia em um tema central da segurança internacional e da estabilidade do Oriente Médio”, observa.

“Assim, embora o Acordo de Teerã tenha simbolizado uma diplomacia ativa e ambiciosa, expôs os limites da influência brasileira em questões sensíveis às grandes potências e não conseguiu alterar a trajetória dos acontecimentos.”

Fonte
MSN

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